Flávio Migliaccio, de 85 anos, foi encontrado morto na manhã desta segunda-feira (4), em seu sítio, em Rio Bonito. A coluna confirmou a informação com Sylvio Guerra, advogado do ator: “Liguei para o Marcelo Migliaccio, filho de Flávio, que disse que recebeu uma ligação do caseiro dizendo que o Flavio tinha falecido. Ele está na estrada, à caminho do sítio, e ainda não sabe a causa da morte do pai”, informou Sylvio.
Flávio não se furta de trocar ideias com autores, dar palpites na direção e até ajudar a criar, ele mesmo, seus figurinos. “Eu não fico chateado por pegar um papel pequeno. A única coisa que me incomoda na televisão é a falta de humor do diretor e da equipe. Eu gosto de brincar, de ficar num ambiente alegre”. E foi assim no elenco de Caminho das Índias (2009), de Gloria Perez, primeira novela brasileira a conquistar o Prêmio Emmy Internacional. Na trama, o ator viveu o indiano Karan.
Seu pai era barbeiro, e a mãe cuidava dele e de seus 16 irmãos. Ele relembra, emocionado, que seu pai tocava violino e os filhos improvisavam instrumentos, para concertos noturnos. A mãe colocava um lençol branco na janela e, com luz indireta, as crianças faziam sombras para os vizinhos assistirem. “Sempre vivemos nesse clima da arte de representar, de tocar. Meu pai queria que eu fosse barbeiro, até tentou me ensinar a profissão. Ele reunia todos os mendigos da nossa rua e fazia aquela fila, para eu cortar o cabelo e fazer a barba deles. Eram minhas cobaias. Mas acabei não aprendendo, eu queria mesmo era ser artista. Uma vez, fui assistir a um espetáculo numa igreja e percebi que um dos atores era muito ruim. Não gostei dele de jeito nenhum. Então, fiz uma coisa que não deveria ter feito: esperei terminar o espetáculo e fui falar com o diretor. Disse que o cara era muito ruim e que eu faria melhor. O diretor me deu o papel do cara. Fiz, foi legal e comecei a gostar. E foi assim que estreei como ator amador”, conta.
Em 1954, Flávio Migliaccio fez o curso de teatro do italiano Ruggero Jacobbi. Ao final, o diretor encaminhou o jovem ator para o grupo amador Teatro Paulista do Estudante, onde conheceu Oduvaldo Vianna Filho e Gianfrancesco Guarnieri. Dali para a profissionalização com o Teatro de Arena, de Zé Renato, foi um passo. Flávio Migliaccio participou de uma série de peças, inclusive levando sua irmã, a atriz Dirce Migliaccio, para o grupo.
Com Dirce Migliaccio, no Teatro de Arena, atuou nas peças A Revolução na América do Sul, de Augusto Boal, Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri, e Chapetuba Futebol Clube, de Oduvaldo Vianna Filho. Muitos anos depois, em 1999, dividiria novamente o palco com a irmã em Os Ratos do Ano 2030. Ainda no Arena, teve encenada a peça de sua autoria Pintando de Alegre.
Chegou a fazer pequenas pontas na TV Tupi, e atuou em dois longas-metragens de Roberto Santos – O Grande Momento (1958) e A Hora e a Vez de Augusto Matraga (1965). Em 1962, participou de Cinco Vezes Favela, atuando em um episódio e escrevendo o roteiro de outro, com Leon Hirszman. No ano seguinte, estreou como roteirista e diretor em Os Mendigos.
Flávio Migliaccio foi convidado, em 1972, pela Globo para atuar em O Primeiro Amor, novela de Walther Negrão, onde viveu Xerife, um sucesso que o acompanha até os dias de hoje. “Eu havia feito um trabalho com Paulo José no cinema, em Como Vai, Vai Bem? Cada um fazia uns dez personagens. Foi um dos trabalhos em cinema que mais gostei de fazer. E como fizemos esse trabalho juntos, Daniel Filho nos chamou para viver a dupla Shazan e Xerife”, conta. “O público imediatamente adotou os dois personagens. A partir daí, passei a viver com uma criança no colo. Isso foi incrível! Eu não ficava mais sem uma criança pulando no meu pescoço”, completa.
O sucesso foi tamanho que a Globo criou o seriado Shazan, Xerife & Cia., que ficou no ar de 1972 a 1974. Foi uma das primeiras vezes na história da televisão brasileira que personagens de uma novela ganhavam um programa próprio. Curiosamente, a dupla foi reeditada em 1998, em uma participação especial na novela Era uma Vez…, também de Negrão, que assim homenageava os 25 anos dos dois personagens tão queridos pelo público. Flávio não quis perder o filão encontrado ao viver Xerife e, baseado no personagem, criou o Tio Maneco, que lhe rendeu alguns longas-metragens produzidos, dirigidos e estrelados por ele, como As Aventuras do Tio Maneco (1971), O Caçador de Fantasmas (1975) e Maneco, o Super Tio (1978). O filme de 1971, inclusive, foi vendido para nada menos do que 31 países e lhe rendeu um prêmio em um festival de cinema infantil na Espanha. Além disso, levou o personagem para a TV Educativa, na forma de seriado, sendo exibido por anos.
Flávio Migliaccio também se dedicou com afinco à televisão. Ao todo, participou de mais de 30 novelas e minisséries, fazendo sucesso com vários personagens marcantes, como o pão-duro Moreiras, em Rainha da Sucata, de Silvio de Abreu (1990), o feirante Vitinho, em A Próxima Vítima, do mesmo autor (1995) – quando, aliás, foi premiado como melhor ator coadjuvante pela Associação Paulista de Críticos de Arte naquele ano –, o impagável Fortunato, em Passione, mais uma vez de Silvio de Abreu (2010), e o turco Chalita, da série Tapas & Beijos (2011), de Cláudio Paiva. Mais recentemente, interpretou o veterinário Josias em Êta Mundo Bom! (2016) e fez sucesso como o imigrante palestino Mamede de Órfãos da Terra (2019).
Tio Vitinho, de A Próxima Vítima, foi seu personagem preferido, revela. “Foi o que mais combinou comigo. Eu bolei uma coisa que considero uma das maiores criações que tive como ator, e colaborei com o texto assim: bolei que ele vivia com o travesseiro e a roupa de capa embaixo do braço, porque não tinha lugar para dormir. Comecei a desenvolver isso, a fazer uma cena dramática segurando o travesseiro; ficava engraçado. Em O Amor Está no Ar (de Alcides Nogueira, 1997), eu era um açougueiro e tinha bronca de um determinado personagem. Em dado momento, eu o ameacei dizendo algo que não estava no texto: ‘Você já ouviu falar no crime da mala? Foi um açougueiro.’ A partir daí, Alcides embarcou na ideia, e eu ficava com uma mala para ameaçar o cara o tempo todo”, conta. Ele também gosta de destacar o período em que atuou no humorístico Viva o Gordo. “Foi uma experiência maravilhosa. Porque tinha humor na criação, o ambiente de trabalho era muito gostoso. Era tudo trabalho de equipe, gostoso de fazer. Eu fazia alguns quadros fixos. Fiz simplesmente uma árvore. Era difícil vestir aquela roupa de árvore, mas nunca reclamei”, conta, pontuando que chegou a redigir quadros para o programa, assim como para Chico Anysio.
Flávio já atuou, dirigiu, produziu, escreveu e uma charge sua até já foi premiada, nos anos 1970, em um salão de humor promovido pela Universidade Mackenzie, em São Paulo. Também tem atuação reconhecida no cinema, como em Os Porralokinhas (2007), de Luis Farias, quando reviveu Tio Maneco. Em 2019, gravou uma participação no filme Hebe, de Maurício Farias.
As informações foram retiradas de FÁBIA OLIVEIRA e MEMÓRIA GLOBO
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